Uma rede que nasceu durante uma audiência e hoje é reconhecida nacionalmente. Foi dessa forma que o trabalho de enfrentamento à violência doméstica desenvolvido em Barra do Garças foi apresentado durante o encerramento do II Encontro das Redes de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, na tarde desta quinta-feira (11), no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
O juiz Marcelo Souza Melo Bento de Rezende, titular da 2ª Vara Criminal de Barra do Garças, mostrou como uma comarca do interior, sem casa de acolhimento e com delegacia que não funciona 24 horas, conseguiu criar um modelo eficiente que garante atendimento humanizado e resultados concretos para as mulheres vítimas de violência.
“A ideia da criação da rede surgiu em 2013, em uma audiência com o colega Wagner Plaza, a promotora de justiça Luciana David e a defensora pública Lindalva Fátima. Tínhamos um caso recorrente de uma mulher que sempre retornava. Os três decidiram: vamos fazer algo diferente. Assim começou”, relatou o magistrado.
O diferencial está na articulação. Toda mulher que chega pedindo medida protetiva tem seu caso imediatamente comunicado por e-mail à assistência social, que faz o atendimento no dia seguinte. Na Delegacia da Mulher, as vítimas são recebidas por uma psicóloga. Além disso, a Patrulha Rede de Frente, criada antes mesmo de haver normatização estadual, faz o acompanhamento continuado. “Trabalhamos com o possível, não com o ideal. Barra do Garças não tem casa de acolhimento, a delegacia não é 24 horas, mas, ainda assim, o case funciona”, destacou Marcelo Rezende.
Os números comprovam a efetividade: a comarca tem pauta fechada de audiências para todo o ano de 2026, de segunda a sexta, relacionadas à violência doméstica, como acontece há seis anos. “Não é o convencional, mas evidencia a realidade da violência doméstica. A confiança na rede se ampliou. A mulher sabe que será acolhida”, afirmou.
Da prevenção à sociedade civil
O trabalho vai além do atendimento às vítimas. A rede atua fortemente na prevenção, com palestras constantes em escolas. “Segunda-feira, antes de vir para cá, tivemos palestras simultâneas realizadas pela rede: patrulha, delegacia, polícia e assistência social. Falamos para meninos e meninas sobre gênero e proteção à mulher”, contou o juiz Marcelo Rezende.
Desde 2014, a rede promove mostras estudantis com redações, vídeos e votações em redes sociais. “Há mais de 10 anos, a cidade fala de violência doméstica de forma constante”, ressaltou.
A iniciativa conquistou também a confiança da sociedade civil. Um empresário de hotelaria, por exemplo, ofereceu quartos ociosos em três hotéis para acolher mulheres em situação de risco por até 48 horas. Além disso, pretende capacitar mulheres para trabalhar no setor, que enfrenta déficit de mão de obra.
Olhar para o homem agressor
Um dos aspectos mais inovadores apresentados foi o trabalho com grupos reflexivos de homens, iniciado antes mesmo de haver lei ou resolução sobre o tema. “Protegemos intensamente a mulher e, mesmo assim, os números só crescem. Falta estrutura, falta política pública, mas talvez falte também falar ao homem”, provocou o juiz.
O magistrado defendeu que as campanhas sejam feitas em dupla versão, com linguagem específica para homens e mulheres. “Nos grupos reflexivos, discutimos temas como saúde do homem. E isso, por incrível que pareça, reduz violência. O homem que não se cuida, sente dor e adoece, tende a descontar essa agressividade nos filhos e nas mulheres”, explicou.
Reconhecimento nacional
O trabalho desenvolvido em Barra do Garças já recebeu diversos prêmios: Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017), Magalu (2020) e Prêmio Juíza Glauciane Chaves de Melo (2022), quando o manual da rede foi reconhecido pelo Ministério Público. A rede se constituiu como pessoa jurídica, o que permitiu inscrever projetos e receber recursos.
“Se eu sair da comarca amanhã, a rede continua funcionando. Não depende do juiz, do major ou da promotora. É autônoma”, afirmou o magistrado.
Visão compartilhada
A juíza Hanae Yamamura de Oliveira, diretora do Foro da Comarca de Cuiabá, elogiou a apresentação e destacou a importância de olhar para todos os atores envolvidos na violência doméstica. “A violência contra a mulher é praticada por um homem. Todos fazem parte dessa mesma dinâmica. Acredito que ainda se fala muito sob um viés feminino porque passamos séculos sob uma perspectiva masculina”, ponderou.
Para a magistrada, a abordagem ampla é fundamental. “Precisamos olhar para os órfãos do feminicídio, porque eles podem ser as vítimas ou os agressores de amanhã. É um problema muito maior, e por isso o encontro é da rede. O problema exige um olhar coletivo”, afirmou a juíza.
O juiz Gerardo Humberto Alves da Silva Júnior, auxiliar da Vice-Presidência do TJMT, trouxe uma reflexão sobre a naturalização da violência de gênero. “Ser mulher no Brasil significa estar em risco simplesmente por ser mulher. Grande parte dos crimes contra mulheres são crimes de ódio, praticados com extrema violência”, alertou.
O magistrado defendeu que a superação do patriarcado começa dentro de casa. “Precisamos formar crianças, meninos e meninas que respeitem o outro, que enxerguem a mulher como um ser humano, e não como um objeto. Punição é necessária, mas também precisamos enfrentar a causa, a raiz do problema”, concluiu Gerardo.
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Autor: Roberta Penha
Fotografo: Josi Dias
Departamento: Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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